domingo, 3 de junho de 2007

O pensamento fundamentalista por princípios

Raciocinar é conduzir um fluxo de ideias e pensamentos por um caminho controlado pela lógica, o que podemos dizer que seria algo semelhante a conduzirmos uma viatura por uma estrada em que as balizas e os sinais de trânsito seriam os princípios em que acreditamos e que nos guiam na solução dos problemas da vida.
Todos nós estamos habituados a apreciar e eneltecer os homens e as mulheres de princípios, considerados como gente séria e responsável, que obedecem aos ditames da consciência, das leis e da tradição. Nos meus tempos de rapaz, a frase "Ah, esse senhor tem princípios..." soava como um grande elogio.
Acontece que o manejo da vida real é muito variado e multifacetado, e por vezes os princípios têm de ser adaptados à realidade mutável, sob o risco de se cair na rigidez fundamentalista do pensamento por princípios, num idealismo poético e alienado e de não sermos científicos e eficientes na abordagem dos problemas.
Um bom exemplo dessa quebra dos princípios é dado pela própria Ciência, onde as leis científicas, que procuram refletir a realidade, estão cheias de exceções e variantes, e se aperfeiçoam constantemente.
Para exemplificar o assunto, me vem à memória a entrevista na TV dada por um senhor político de esquerda, muito conhecido no Sul e Sudeste, e que tipificou o que se pode chamar de pensamento rígido e escolástico: defendia inflexível e ferozmente esse procurador a absoluta e total proibição do aborto, mesmo nos casos legais permitidos no Brasil, que são de perigo de vida da parturiente ou em caso de violência com estupro, pois repetia ele "...se permitirmos o aborto nesses casos, se abrirmos essas exceções, teremos de aceitar todos os outros casos...".
Este é um caso típico da rigidez dos princípios, usados quase que como os dogmas religiosos, intocáveis, indiscutíveis e imutáveis, mesmo que a realidade da vida, o bom senso e a lógica nos mostrem que são aceitáveis essas quebras legais do princípio que dirige a proibição do aborto, que podemos enunciar assim: "Desde o momento em que acontece a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, há a iniciação de um novo ser humano, e portanto um aborto provocado é automaticamente equiparado a um assassinato, e logo legalmente punível...". A discussão científica de quando começa um indivíduo e acaba um feto, dos problemas sócio-economicos que se desenvolvem em volta dos nascimentos de crianças indesejadas ou deformadas, isso não interessa a esses fundamentalistas. O princípio geral e irrestrito tem de prevalecer a qualquer custo, cegamente, haja ou não lógica nele...
Um outro exemplo muito ilucidativo desse pensamento fundamentalista e por rígidos princípios foi o debate que aconteceu há pouco tempo na TV da BBC londrina, cujo tema foi a discussão sobre a possibilidade de legalização da tortura, em casos muito especiais, com aprovação do juiz e sob supervisão médica.
De um lado havia dois homens, pertencentes a equipes que lutam contra a marginalidade e o terror no mundo; do outro, duas mulheres, uma delas vítima de prisão política do ex-ditador Sadan, e que se declararam totalmente contra a tortura, fossem quais fossem as circunstâncias reais do caso.
A discussão foi muito interessante, pois esses dois senhores, com muita experiência das realidades da vida, deram exemplos de casos reais em que, se fosse permitida a prévia tortura, centenas de vidas inocentes poderiam ter sido poupadas, como no caso da descoberta de redes terroristas em preparação de atos criminosos ou de se desvendar com antecedência ações de explosão de aviões ou de guerrilha urbana, que resultaram em centenas de assassinatos gratuitos.
Ficou bem claro que estes dois senhores se declararam de convicções democráticas e totalmente a favor dos direitos humanos dos prisioneiros e contra a tortura usada como método discricionário e terrorista, e que a tortura a que se referiam não era aquele tipo violento e hediondo, usado por regimes totalitários, a que estamos acostumados a ouvir, como arrancar as unhas ou obrigar a pessoa a beber água até morrer, mas sim métodos modernos de extração de informações, como injeções da verdade ou pressão psicológica.
Não adiantou a firme explicação dos casos reais pelos dois senhores, perante a cega teimosia das duas mulheres que, eivadas do típico raciocínio reacionário e escolástico, num idealismo rígido e generalista, não admitiram a tortura em nenhum caso, mesmo que fosse justificadamente para salvar inúmeras vítimas inocentes.
Aqui também aparece um aspeto constante e prático da vida, que nos revela que as mulheres são mais idealistas e poéticas, pensam mais com o coração, são menos racionais que os homens, se mostram mais separadas da realidade das ruas, habituadas que estão atavicamente a ficarem em casa e na proteção dos lares.
Nestes dois exemplos podemos antever o mal que podem causar esses pensamentos afastados da realidade e que assim levam as sociedades para situações agudas de impasse, que poderiam ser resolvidas mais eficiente e rapidamente, se não ouvesse o travão dos pequenos mas ativos grupos de pressão regidos por essa mentalidade escolástica e fundamentalista.
Alguém disse com justeza que "Idéias e pensamentos errados levam certa e inevitavelmente a ações e resultados inconvenientes"...
Enquanto não corrigirmos a mentalidade escolástica do povo e dos intelectuais, continuaremos errando e patinando na estrada da riqueza e do progresso...